"A Ti, meu Pai, me abandono"
De 31 de Julho a 5 de Agosto, frei Inácio Larrañaga, o “Profeta da Oração”, orientou em Fátima um Retiro «Experiência de Deus». Participaram umas 430 pessoas, na maioria leigos das “Oficinas de Oração e Vida”. Várias religiosas. Sacerdotes, apenas 3. Representadas todas as Dioceses de Portugal, tendo vindo também alguns participantes da Espanha, da França e do Brasil.
Talvez pela última vez, tivemos o frei Inácio em Portugal. Aos 83 anos, este carismático capuchinho navarro, pensa interromper esta sua actividade pelo mundo dentro de uns dois anos.
Frei Inácio Larrañaga é um capuchinho sacerdote, nascido em Loiola e com residência em Santiago do Chile, mas calcorreando várias dezenas de países, levado da sua paixão por Cristo e pelos irmãos. Poeta, músico, escritor, místico, contemplativo… Em 1974 lançou-se na missão de promover os encontros da “Experiência de Deus”, aprofundando a graça e a arte de orar. Ainda na década de 70 orientou várias semanas em Portugal, algumas com a presença de 700 participantes. Em 1984, fundou as “Oficinas de Oração e Vida”, aprovadas em 1997 pela Santa Sé e presentes em mais de 50 países. Como serviço eclesial e apostólico, promovem a vida de comunhão com Deus, valorizando a sua Palavra na Bíblia e procurando o encanto por uma vida pacificada.
Alguns dos 17 livros de frei Inácio atingem as 500 edições, como «O Silêncio de Maria”, ou 200, como «Mostra-me Teu Rosto”.
Nos anos 70, vivia eu a apaixonante aventura eclesial dos Cursos do “Movimento por um Mundo Melhor”. Não usufruí, na altura, da “Experiência de Deus”, com o frei Larrañaga. O Pai, na sua bondade e sabedoria, tinha reservado esta semana de 2011 para que eu pudesse mergulhar neste Oceano de Silêncio, de Oração e Paz. A viver há uns tempos uma dura experiência de falta de visão, bem preciso de quem me ajude a abrir os olhos do coração. Para ver o Invisível. Para não tropeçar nas trevas da angústia e do desespero, enfrentando com serenidade a tempestade e as ondas e os ventos contrários…
São intensos os dias de Retiro. Pelos objectivos, muito ambiciosos – a “experiência de Deus”. Mas também pelo horário: das 7 da manhã, com a Oração sálmica, até pelas 11 da noite, conclusão da Eucaristia.
Destaco apenas uma das muitas dimensões saboreadas neste Encontro: a riqueza da reflexão e oração a partir dos Salmos. Cada manhã, o frei Inácio propõe-nos um salmo para a oração pessoal: uns quarenta e cinco minutos de reflexão, orientada por ele mesmo, embrenhando-se em perspectivas bíblicas, teológicas, existenciais, psicológicas; e outro tanto tempo de mergulho pessoal nesse Deus vivo e verdadeiro com que o salmista nos brinda. Só se sabe aquilo que vive. Busquemos o rosto de Deus, e tudo o mais se nos dará por acréscimo.
Assim, na manhã de segunda-feira, um delicioso aperitivo: o Salmo 63 – a sede do Deus vivo, único absoluto da nossa vida; na terça-feira, o Salmo 27 – a confiança inabalável no Deus-connosco, melodia que percorre toda a Bíblia; na quarta-feira, o Salmo 31 – o abandono filial nas mãos do Pai, banhando-nos no mar das bem-aventuranças dos abraços e ternuras do Pai; na quinta-feira, o Salmo 51 – a experiência pessoal da grande misericórdia do Pai, libertos de complexos de culpa; finalmente, o Salmo 139 – a mais perfeita oração de contemplação, envolvidos por Deus, por dentro e por fora.
Intenso foi o meu encontro e confronto com o Salmo 31. Para cada um dos momentos de reflexão ou celebração do Retiro, desloquei-me a pé ao Seminário do Verbo Divino. Quinze minutos. Passo apressado. Chegando a totalizar três horas de caminhada por dia. O caminhar, sabendo-se acompanhado pelo Jesus de Emaús, escutando a sua Palavra e sentindo a sua presença de Ressuscitado, de pés descalços e túnica branca, provoca em nosso coração um fogo que nos queima por dentro. E brota a festa e a alegria e a música. E a libertação. Tanto mais forte e profunda, quanto maior for a entrega nos braços do Pai. Desta vivência itinerante brotou uma nova “versão” para o Salmo 31 que, em forma de testemunho, partilhei na Eucaristia de quinta-feira à noite: “A Ti, meu Pai, me abandono”. Retirado agora do ficheiro “Cânticos no forno”, entrego-o aos irmãos e irmãs como gratidão pelo acolhimento carinhoso e oração solidária.
Continuemos na busca do rosto do Senhor. Atirando-nos para os seus braços de Abbá. Buscá-lo é encontrá-lo, segundo o testemunho experiencial de Santo Agostinho. Enchamos o nosso coração do Senhor e do seu Evangelho! Assim, como Francisco de Assis, com os olhos e o coração cheios do Altíssimo e Bom Senhor, poderemos encontrá-lo nos irmãos e nos peixes, nas flores e nas galáxias, nos regatos e nos oceanos, nos rouxinóis e nos lobos…