sexta-feira, 30 de março de 2018

Sexta-feira Santa - Mistério de Amor

Amar até o fim significa que, no caminho da sua entrega por nós na cruz, Jesus seguiu todas as etapas, sem deixar uma só, e chegou até o final. As penúltimas palavras que pronunciou na cruz foram: “Tudo está consumado” (Jo 19, 30), antes de clamar: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23, 46).

Mas amar até o fim também significa que Cristo, na cruz, nos amou sem limite algum, sem recuo algum, sem se poupar em nada, até o extremo. Nada limitou o amor do Senhor por nós. Não se deteve em barreiras, não O arredou nenhuma dor, nenhum sacrifício, nenhum horror. Acima do Seu bem-estar, da Sua honra, da Sua vida, colocou a salvação dos que amava, de cada um de nós.

Já pensamos no que é um amor ilimitado? Um amor que não depende de nada, nem exige nada, para se dar por inteiro?

O amor de Cristo começa sem que nós O tenhamos amado, não é retribuição, é puro dom; e chega até o extremo ainda que nós não o correspondamos, melhor dizendo, no meio de uma brutal falta de correspondência. Nisso consiste o amor – esclarece São João –: “Não em termos nós amado a Deus, mas em que Ele nos amou primeiro e enviou o seu Filho para expiar os nossos pecados” (1 Jo 4, 10).

Explicação da solenidade de Sexta-Feira Santa com padre Paulo Ricardo 

A meditação da Paixão, neste sentido, é transparente. Nenhum sofrimento físico aparta Jesus da cruz. Basta que contemplemos – como numa sequência rápida de planos cinematográficos – Cristo preso, amarrado, arrastado indignamente, esbofeteado, açoitado até a Sua carne se converter numa pura chaga, coroado de espinhos, esfolado e esmagado sob o peso da cruz e de nossos pecados, cravado com pregos ao madeiro, torturado pela dor, pela sede, pelo esgotamento… Nada O detém na Sua entrega amorosa.

Podemos projetar também – em flashes consecutivos – a sequência dos sofrimentos morais do Senhor, e perceber que tampouco conseguiram afastá-Lo de chegar até o fim. É caluniado, ridicularizado, julgado iniquamente, condenado injustamente; alvo de dolorosa ingratidão, de hedionda traição; é ferido pela infidelidade, pela falta de correspondência dos que amava e escolhera como Apóstolos; é atingido pelas troças mais grosseiras, pelos insultos mais ferinos, por escarros e tapas no rosto…

Nada O faz recuar, nem sequer a última humilhação, pois não O deixaram morrer em paz, e desrespeitaram com zombarias e insultos até os últimos instantes da Sua agonia. Os que passavam perto da cruz sacudiam a cabeça e diziam: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz!”

Os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os anciãos também zombavam de Jesus nessa hora: “Ele salvou a outros e não pode salvar-se a si mesmo! Se é rei de Israel, desça agora da cruz e creremos nele; confiou em Deus, que Deus o livre agora, se o ama…” (Mt 27, 39-43). Esta doação sem limites de Cristo é o Amor que nos salva, o caminho que Ele quis escolher para nos livrar do mal, afogando-o em si – no Seu Amor – como num abismo.

Ao mesmo tempo, é um contínuo apelo ao nosso amor. “Quem não amará o Seu Coração tão ferido? – perguntava São Boaventura. Quem não retribuirá o amor com amor? Quem não abraçará um Coração tão puro? Nós, que somos de carne, pagaremos amor com amor, abraçaremos o nosso Ferido, a quem os ímpios atravessaram as mãos e os pés, o lado e o Coração.

Peçamos que se digne prender o nosso coração com o vínculo do Seu amor e feri-lo com uma lança, pois é ainda duro e impenitente.

Imagem: Internet
https://formacao.cancaonova.com/liturgia/tempo-liturgico/quaresma/sexta-feira-da-paixao-misterio-de-amor/

quinta-feira, 29 de março de 2018

Quinta-feira Santa - reflexão

A Quinta-feira santa inicia o ‘Tríduo pascal’, o núcleo do ano litúrgico. O seu tempo mais importante. É recordação e é celebração daquelas horas finais da vida do Mestre junto aos seus discípulos. Cada comunidade se reúne à mesa da Eucaristia. Entre nós há a amizade, a ternura, o amor dos apóstolos. Comungar a Páscoa é receber a energia de vida e de libertação que nos vem das palavras e gestos de Jesus: na última ceia e na cruz.

Em cada Diocese o bispo celebra com seus sacerdotes a missa da Crisma. Nela é dada a bênção dos santos óleos. Três bênçãos diferentes separam os óleos que servirão até a Páscoa do ano seguinte: para ungir os doentes; nos batizados, batismo e na ordenação sacerdotal. O povo católico participa da Missa da Ceia do Senhor. Cerimônia comovente repassando as lembranças da despedida de Jesus conservadas pela Tradição. Tudo centralizado na Eucaristia por ele instituída nesse dia. Nessa mais preciosa herança a Igreja tem a fonte da sua presença viva e perpétua na consagração do pão e do vinho e a vivência perene do mandamento novo do Mestre: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei, este é o meu novo mandamento!”.

Enfim, momento imperdível do nosso crescimento espiritual, do convívio fraterno uns com os outros e da esperança de um mundo melhor para todos, a missa do “lava-pés” reproduz a lição de fraternidade deixada por Jesus.  Até as crianças compreendem a exigência do novo mandamento concretizada em ritos e gestos. 

Leitura Bíblica:
"Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo. O diabo já tinha metido no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a decisão de o entregar. Enquanto celebravam a ceia, Jesus, sabendo perfeitamente que o Pai tudo lhe pusera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura. Chegou, pois, a Simão Pedro. Este disse-lhe: «Senhor, Tu é que me lavas os pés?» Jesus respondeu-lhe: «O que Eu estou a fazer tu não o entendes por agora, mas hás-de compreendê-lo depois.» Disse-lhe Pedro: «Não! Tu nunca me hás-de lavar os pés!» Replicou-lhe Jesus: «Se Eu não te lavar, nada terás a haver comigo.» Disse-lhe, então, Simão Pedro: «Ó Senhor! Não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!» Respondeu-lhe Jesus: «Quem tomou banho não precisa de lavar senão os pés, pois está todo limpo. E vós estais limpos, mas não todos.» Ele bem sabia quem o ia entregar; por isso é que lhe disse: ‘Nem todos estais limpos’. Depois de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’ e ‘o Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também." (Jo 13, 1-15)

A rigor o evangelho aqui não quer documentar fatos. Oferece um anúncio de fé sobre o sentido da pessoa e da obra de Jesus na terra. Nele e por ele Deus fez uma nova criação e uma nova aliança com os homens. Por isso a Última Ceia não repetia a ceia pascal judaica, mas a ultrapassava. A Páscoa de Jesus não foi a mesma páscoa do A.T. Foi a dele. Aquele jantar onde ele se despedia marcava também o início da sua “hora” pré-anunciada repetidas vezes. A hora decisiva da sua vida, o coroamento de sua missão. Ela revela a plena consciência humana de Jesus sobre sua vocação. “Sabia que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos, que de Deus tinha saído e para Deus voltava” (v3).  Jesus perscrutando o que Deus queria dele, assumia com plena consciência as decisões finais de sua vida pessoal em todos os seus riscos e consequências. No texto a “hora de Jesus” significa sua volta para o Pai; é a saída do mundo. Saída é alusão ao êxodo ou a saída do povo hebreu libertado do Egito lá no longínquo passado. Lembra-se a páscoa que libertara o povo da escravidão pela imolação do cordeiro pascal. Mas, Jesus é o novo e verdadeiro cordeiro pascal. Deixou-se sacrificar movido por um amor solidário em extremo para nos libertar da escravidão gerada pelo pecado. Individual ou social, o pecado é a fonte da corrupção que sustenta a cultura da morte deixando rastros de injustiças e violências em toda convivência humana.

Essa entrega de amor do Senhor é revivida em todas as culturas do mundo nos gestos simbólicos do lava pés. Jesus tirou o manto, saiu da mesa e ajoelhou-se aos pés dos discípulos. O gesto de “tirar o manto” significa no texto: despojou-se de si para servir a todos. Passou de Mestre a servidor humilde. O lavar os pés era um serviço doméstico prestado ao dono da casa ao voltar da rua empoeirada. Só um escravo não judeu o prestava, pois era considerado muito humilhante e desprezível. A reação de Pedro sinaliza isso: “Tu nunca me lavarás os pés”. Ele só aceitou ver Jesus humilhado a seus pés ao ser colocado contra a parede: “Se não me deixas lavar os teus pés, não és dos meus amigos”.  Após a ressurreição do Senhor, ele e os outros discípulos entenderam aquela lição de amor fraterno solidário.

A postura de Jesus ajoelhado perante seus discípulos nos ensina que na comunidade cristã não há dominadores e dominados. Apenas irmãos e servidores uns dos outros.  O “lava-pés” não pode ser mera cerimônia. É teste e desafio aos cristãos de todos os tempos. A quem recusamos acolher? A quem não gostamos de servir? Talvez os excluídos por todo tipo de marginalização: desempregados, mendigos, idosos, nossos vizinhos mais humildes? Nesta quinta-feira santa coloquemos nossos pés nos caminhos de Jesus, renovando a convicção: segui-lo é servir por amor.

Imagem: Internet
Fonte: http://www.a12.com/academia/homilias/reflexao-para-a-quinta-feira-santa