sábado, 30 de julho de 2016

Entrevista a Fernando Santos

Caríssimos leitores do blog, hoje partilho convosco, uma entrevista de alguém que recentemente ficou com mais notoriedade (especialmente entre o povo português), ao ser o timoneiro da seleção portuguesa, que recentemente conquistou o Europeu de Futebol de Seleções, que terminou faz hoje precisamente vinte dias. Não é comum se encontrar pessoas numa posição de destaque, dadas as circunstâncias e que admitam sem rodeios a sua crença e a sua fé. Dizia há pouco que Fernando Santos foi o timoneiro da conquista, mais mais importante foi ele deixar que o Jesus Cristo, fosse o seu Timoneiro. Através desta postagem, agradeço ao engenheiro Fernando Santos o seu testemunho e envio-lhe pessoalmente um grande abraço.

"A maioria dos portugueses ficou a conhecer Fernando Santos enquanto homem de fé com o discurso que proferiu depois de se ter sagrado campeão europeu por Portugal, no passado dia 10 de julho. Na altura, agradeceu "em primeiro lugar e acima de tudo" a Deus Pai, por aquele momento e por tudo na vida.
Para os jovens da diocese que participaram na tertúlia "Conversas C'afé", organizada pela Pastoral Juvenil diocesana, no final de 2012, o testemunho de fé que o selecionador nacional deu após a conquista do europeu de futebol não foi uma novidade.
Há cerca de quatro anos atrás, o engenheiro do título português já tinha falado com os jovens da diocese sobre como a fé em Cristo ressuscitado mudou a sua vida.
O PRESENTE recupera agora essa diálogo, que à luz da assertividade na fé demonstrada pelo técnico português no Euro 2016, se renova de atualidade.

Fernando Santos foi tema das conversas em muitos cafés do país durante o último europeu de futebol, sobretudo por ter mostrado uma certeza tão grande num final vencedor, depois de uma primeira fase que fazia levantar algumas vozes críticas dos adeptos portugueses. Essa convicção era mais que uma fezada e estava sustentada numa fé que caracteriza o engenheiro do primeiro título da seleção nacional de futebol sénior. Em 2012, antes de ser conversa nas mesas de café, sentou-se para beber um café com os jovens da Diocese e falar-lhes de fé: da sua e de como ela é importante na sua vida.

O QUE É SER CRISTÃO COMPROMETIDO?
Ser cristão comprometido é, a partir do momento em que conhecemos Cristo, comprometermo-nos com Ele e seguir em frente. Essa é a minha obrigação e uma afirmação clara, sem presunção, de quem sabe o porquê de querer estar com Ele e porque é que Ele é tão importante na minha vida. Costumo dizer que não há ciclistas que não pedalam e eu, como quero ser um ciclista de Cristo, tenho de pedalar.

FALOU SEMPRE DESSA FORMA TÃO ASSERTIVA SOBRE A FÉ?
Já passei tanta coisa... (risos). Fui batizado no dia 16 de janeiro de 1955. Hoje, sei, mas durante 40 anos não soube quando tinha sido batizado. Fiz a primeira comunhão com sete anos e aos oito fui crismado. Tenho os papéis guardados... fui à procura deles no momento em que a minha vida se alterou nestas questões da fé. A partir dos oito anos, eu ia à Missa mais para ver as miúdas que para ouvir o que o padre estava a dizer. Mas como eu gostava muito de jogar futebol, e nasci numa família que, sendo cristã, não era  praticante, mas era muito praticante de futebol, porque não perdiam um jogo. O meu pai, aos sábados e domingos, ia sempre ver os jogos do Benfica. Eu nasci no dia 10 de outubro de 1954 e no dia 1 de dezembro desse ano foi inaugurado o Estádio da Luz e o meu pai levou-me lá, numa alcofa, portanto, eu era um aficionado militante do futebol. Ao sábado e ao domingo, eu não tinha tempo para essas coisas da Igreja... Passei para o futebol e deixei-me disso, completamente e, durante muito tempo, fui à Igreja talvez umas 70 vezes... Fui quando casei, quando batizei os meus filhos, quando fui padrinho e depois em mais uns casamentos de amigos, mas passei um hiato total.

COMO FOI ESSE PERÍODO?
Há uns tempos, visitei uma exposição com o tema "A fé e a fé cristã", onde se passava por um túnel escuro. No final, perguntaram-me o que mais me tinha tocado na experiência e eu respondi que tinha sido a passagem por aquele túnel escuro. Aquela escuridão foi por onde eu passei durante praticamente 32 anos. Com muitas nuances, desde pôr tudo em causa, até porque eu estava na faculdade quando aconteceu o 25 de abril de 1974 e nessa altura tudo se pôs em causa... Mas pronto, eu hoje reconheço que a semente do Batismo estava cá dentro e consigo perceber porque é que nunca consegui adormecer sem antes rezar as orações que ainda hoje faço. Durante todos estes anos, pelo menos uma vez por ano, ia a Fátima. Fiz esse percurso todo: de fezada e de afastamento...

ATÉ QUE UM DIA...
Até que um dia um amigo meu me convidou para ir à inauguração de uma clínica de toxicodependentes e eu fui. Estava lá um sacerdote, que no fim me pediu se lhe dava boleia até Cascais. Eu disse-lhe que sim e, quando íamos quase a chegar ao destino, eu perguntei-lhe se queria ir almoçar um dia comigo, para podermos falar sobre "as coisas da fé". Ele aceitou e, nesse encontro, ele levou um livro, que me ajudou muito e que talvez tenha sido o meu primeiro passo, que se chamava "A Fé Explicada". Conversámos, eu fui para casa e li o livro e depois, mais por simpatia ao sacerdote, eu comecei a frequentar a Missa. Não comungava, mas ia lá, até porque, muitas vezes, depois da celebração, ia almoçar com ele e falávamos novamente sobre a fé. Na altura, eu achava que tinha dado um passo fantástico de aproximação à Igreja...

NÃO FOI DESSA?
Passados uns meses, eu achei que devia comungar também, uma vez que todas as pessoas o faziam. Fui ter com o meu amigo sacerdote e disse-lhe que queria falar com ele sobre esse assunto, mas que não me queria confessar. A verdade é que conversámos tanto que acabei por me confessar. Foi o segundo passo da minha caminhada. Aí, tinha eu 38 anos, já me predispunha a caminhar um bocadinho mais, mas sempre com aquela racionalidade de quem quer perceber tudo.

QUAL FOI O PASSO SEGUINTE?
Havia uns amigos meus que me estavam sempre a convidar para fazer um Curso de Cristandade e eu recusei sempre, até que, em março de 1994, tinha eu sido despedido do Estoril Praia, ao fim de 20 anos no clube. Aquilo para mim foi terrível... Nessa altura, os meus amigos voltaram à carga. Foram lá a casa e disseram-me que ía haver um Curso de Cristandade na semana seguinte. Eu comecei a pensar: "porque é que não vou? São só três dias e até aproveito para pensar a minha vida." Acabei por ir.

FOI AÍ QUE SE DEU A VIRAGEM?
Quando se descobre que Cristo está vivo, a nossa vida muda... E não há alternativa se não comprometermo-nos com Ele. Eu descobri isso num Curso de Cristandade, aos 40 anos, num encontro que decorreu de 16 a 19 de março de 1994.

NÃO SE ESQUECE DESSA DATA?
Nunca, está ali a minha data (aponta para um crucifixo que, ao chegar, deixou em cima da mesa). No último dia, recebi aquele crucifixo que ali está e disse-Lhe que podia contar comigo para sempre... E ter um amigo destes é fantástico!

NUM ENCONTRO DE TRÊS DIAS, QUANDO É QUE SENTIU A MUDANÇA?
Acho que foi logo no primeiro dia, que comecei a 'levar porrada que me fartei' (risos). Falavam a mesma língua que eu, mas havia muita coisa que eu não percebia. Civilização do amor? Que é isso? Foi ali que descobri que o amor existe, através do meu próximo. Quando me disseram: "Cristo és tu", eu fiquei admirado, mas descobri que é verdade, Cristo é cada um de nós. A nossa fé muda quando descobrimos que aquele que está ao nosso lado é Cristo. São Paulo disse isso de uma forma muito clara, a fé é no Ressuscitado. Senti, isso, de uma forma clara, no dia que me joelhei junto ao Sacrário, logo ao segundo dia. No dia que eu falei com Ele a sério, pela primeira vez, a minha vida mudou, porque eu percebi que ali estava alguém que me amava, me escutava e me entendia os problemas, dificuldades e dúvidas.

E SENTIU-SE DEPOIS UM HOMEM DE FÉ?
Tenho consciência de que nunca vou ter fé, porque ter fé é obediência total a Cristo e eu não sei se alguma vez serei capaz. Isso é um processo muito difícil, mas tenho uma confiança muito grande n'Ele e vou tentando, cada dia, dar mais de mim mesmo.

ESSA EXPERIÊNCIA FEZ-LHE VER O MUNDO COM OUTRO SENTIDO?
Claramente. As mudanças não se explicam e a fé não tem explicação. Há alguma racionalidade e compreensão necessária, mas há coisas que não se explicam, sentem-se. A Trindade, por exemplo, nunca serei capaz de a definir, mas acredito nela. Portanto, se nós não conseguimos ter esta convicção, dificilmente nos podemos mudar, para mudar os outros e o mundo. Foi isso que eu procurei fazer a partir daqui, com os defeitos que continuo a ter, mas procuro mudar-me para que, à minha volta, alguma coisa possa acontecer.

DEPOIS DE TER FEITO O CURSO DE CRISTANDADE, OLHOU DE OUTRA FORMA PARA OS SACRAMENTOS QUE TINHA RECEBIDO?
Antes, eu nem sabia o que eram Sacramentos. Depois de sair do curso de cristandade, uma das primeiras coisas que fiz foi ir à procura da minha data de Batismo, quando tinha recebido a Primeira Comunhão, quando tinha recebido o Crisma. Antes, eu não sabia o que tinha feito. O primeiro, tinha três meses, não me lembrava. Os outros, fiz porque era giro... Todos faziam e eu também fiz. Não me lembro de nada. Houve dois Sacramentos na minha vida porque vivi com grande convicção: Matrimónio e o Batismo dos meus filhos. Hoje, percebo perfeitamente a graça que tinha dentro de mim e que recebi no meu Batismo, mas na altura, antes de fazer o curso de cristandade, não entendia isso.

EM QUE É QUE O FERNANDO SANTOS MUDOU?
Passei a estar mais atento e a ver as coisas e tudo partiu de um encontro com Cristo que mudou a minha vida. Deus chama-nos a qualquer hora do dia, mas paga sempre por igual. Um dia, Ele chamou-me de uma maneira, a outros chamará de outra. Um outro aspeto é que comecei a participar na Eucaristia e deixei de ir à Missa (risos). Comecei a fazer parte de movimentos a integrar-me na Igreja, a ser leitor, a ajudar na preparação de batismos... Mas muito mais importante que isso foi a minha transformação, que acabou por transformar o mundo em meu redor: no meu trabalho, na minha casa.

SENTIU ALGUM ATRITO DAS PESSOAS EM RELAÇÃO A ESSA MUDANÇA?
Há sempre algum atrito. Mas isso é que é mudança, quando os outros percebem que eu mudei.

COMO ENFRENTA AGORA OS PROBLEMAS E OS DESAFIOS QUE SE LHE DEPARAM?
Com muito mais coragem. Não tenho medo da morte porque sei que vou ressuscitar. Na vida, eu sei que Ele está comigo, no bem e no mal. A grande diferença é que, antes, eu pedia e se me saísse bem, agradecia, quando me saía mal, não dizia nada. Agora, ofereço o meu dia ao acordar e à noite agradeço-Lhe, independentemente de como me corre o dia.

QUE LUGAR OCUPA A ORAÇÃO NO SEU DIA-A-DIA?
A oração é fundamental. Como é que vivemos sem comer? Temos de nos alimentar... Passo pouco tempo sem rezar, até porque falo muitas vezes com Ele durante o dia. Cheguei a aproveitar a viagem de carro do trabalho até casa para rezar o Rosário, fosse a que hora fosse. Uma das coisas que esta mudança me fez perceber foi que falar com Ele é uma coisa natural.

A FÉ E A MORTE DO PAI
Um dos momentos mais dramáticos da minha vida aconteceu quando o meu pai adoeceu com uma doença terminal. Os últimos três meses foram muito dolorosos. Se eu não tivesse feito o curso de cristandade e não estivesse já nesta fase de confiança, teria sido um momento dramático para mim, seguramente. Mas como eu já tinha a minha fé, consegui encarar de uma outra forma, mas houve uma coisa que eu nunca tive coragem: de pedir a Santa Unção para o meu pai, sobretudo por receio que ele me interpretasse mal. Faltou-me aqui a fé, claramente. Um dia, quando regressei a casa de um jogo, fui dar um beijo ao meu pai e ele disse que estava bem. Mais tarde, a minha mulher disse-me que ele tinha pedido um sacerdote e que naquele dia tinha recebido a Santa Unção. O meu pai comungou e, dois dias depois, foi para o hospital e já voltou a casa. O meu pai de certeza que está em paz.

A FÉ E A FEZADA
Durante um período da minha vida sinto que tive fezadas e agora tenho fé. Fezada é, por exemplo, enquanto treinador, levar sempre o mesmo casaco e as mesmas calças para o jogo. E estamos a falar de calças de inverno, que no verão davam muito calor, mas como achava que aquilo assim dava sorte... Depois, subi para a 1ª divisão, levei um fato no primeiro jogo e perdi; no segundo, levei outro fato e perdi e, no terceiro jogo, levei outro ainda, mas também perdi... E pensei: tenho que acabar com isso, senão fico sem fatos! (risos).
A fé apaziguou-me... Fé é confiança total. Não é como aquele que dizia que tinha muita fé e que ao cair num precipício, ficando agarrado apenas a um ramo, começou a gritar: Deus me acuda! Ouviu uma voz que lhe disse: deixa-te cair que Eu seguro-te. Ao que ele perguntou em resposta: Mas não há mais ninguém para me ajudar? (risos)

NUNCA SABEMOS QUANDO ESTAMOS A DAR TESTEMUNHO
Vou com muita frequência ao Santuário de Fátima. Normalmente vou muito cedo e uma das coisas que faço é a Via-Sacra na colunata. Um dia, há uns anos, recebi uma carta de um senhor que me agradecia. Ele escrevia que andava perdido na fé e, um dia, quando foi a Fátima, viu-me a fazer a Via-Sacra sozinho. Ele pensou que, se eu era capaz de fazer a Via-Sacra, ele também havia de experimentar. No final, essa experiência mudou-lhe a vida e era isso que ele me agradecia. Sem falar com aquele senhor, ajudei-o a mudar a própria vida. Serve este episódio para mostrar que nunca sabemos quando estamos a dar testemunho... Só Deus sabe!

Fonte: 
Esta entrevista foi transcrita do Semanário diocesano de Leiria-Fátima, jornal "PRESENTE", datado de 28-07-2016; 
jornalista: Diogo Carvalho Alves
Imagem: Internet    

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